Esse é o assunto sobre o qual São João
Paulo II – então Karol Wojtyla
se debruça na seção de seu livro, “Amor
e Responsabilidade”, quando ele discute
os dois aspectos do amor.
De acordo com Wojtyla, existem
dois aspectos do amor, e compreender a diferença é
crucial para qualquer
casamento, noivado ou namoro.
Quando um rapaz encontra uma garota, ele
experimenta uma série de sentimentos e desejos poderosos
em seu
coração. Ele pode se encontrar fisicamente atraído pela beleza do corpo
dela, ou se perceber pensando constantemente nela em uma atração
emocional. Essa dinâmica interior do desejo sensual (sensualidade) e do
amor emocional (sentimentalidade) molda em grande parte a maneira com
que
o homem e a mulher interagem um com o outro, e é isso que faz o
romance, especialmente em seus
estágios iniciais, ser tão emocionante
para o casal envolvido.
Entretanto, esse é apenas um aspecto do
amor, que não deve ser igualado ao amor no sentido mais pleno. Nós
sabemos da experiência que podemos ter fortes emoções e desejos por
outra pessoa sem necessariamente estar comprometido com ela, ou sem a
pessoa estar verdadeiramente comprometida conosco em uma relação de
amor.
É por isso que Wojtyla coloca o
aspecto subjetivo do amor em seu devido lugar.
Ele nos desperta e nos
lembra que, não importa o quão forte experimentemos essas
sensações,
isso não é necessariamente amor, mas simplesmente uma “situação
psicológica”.
Em outras palavras, por si só, o aspecto subjetivo do
amor nada mais é do que uma experiência
prazerosa que está acontecendo
dentro de mim.
Essas emoções e desejos não são ruins, e
podem se desenvolver dentro do amor, e até enriquecê-lo
mas não devemos
vê-los como sinais infalíveis do amor autêntico. Wojtyla diz: “É
impossível
julgar o valor de um relacionamento entre duas pessoas
meramente a partir da intensidade de
suas emoções… O amor se desenvolve
com base em uma atitude totalmente comprometida
e totalmente responsável
de uma pessoa para outra pessoa”; enquanto que ao mesmo tempo
os
sentimentos românticos “nascem espontaneamente das reações sensuais e
emocionais.
Um crescimento muito rápido e muito rico de tais sensações
pode esconder um amor que falhou
em se desenvolver” (Amor e
Responsabilidade).
Direcionando o amor para as reações interiores
Os homens e as mulheres hoje são
bastante suscetíveis a cair nessa ilusão de amor, pois o mundo
moderno
direcionou o amor para as reações interiores, focando-se primariamente
no aspecto
subjetivo, o “amor hollywoodiano”, que nos diz que o amor
será mais forte quanto mais forte
forem nossas emoções. Wojtyla,
entretanto, enfatiza que há uma outra faceta do amor que é
absolutamente
essencial, não importando quão fortes sejam nossas emoções e desejos.
A
esse aspecto ele chamou de “objetivo”.
Esse aspecto tem uma série de
características objetivas que vão além dos sentimentos prazerosos
que
experimento no nível subjetivo. O verdadeiro amor envolve virtude, amizade, e a busca
de um bem comum.
No casamento cristão, por exemplo, marido e mulher se unem pelo bem
comum de ajudarem um ao outro a crescer em santidade, aprofundar a
união, e educar os filhos.
Além disso, eles devem não apenas
compartilhar esse objetivo em comum, mas possuir a virtude
que os ajude a
chegar lá.
É por isso que o aspecto objetivo do amor é muito mais do que um olhar interior para
minhas emoções e desejos.
É muito mais do que os prazeres que recebo da relação.
Ao considerar o
aspecto objetivo do amor, devemos discernir que tipo de relacionamento
existe
realmente entre eu e a pessoa que amo, e não simplesmente o que
esse relacionamento significa
para mim em meus sentimentos. A outra
pessoa me ama mais pelo que sou ou me ama mais pelo
prazer que recebe da
relação?
Meu(minha) amado(a) compreende o que é
verdadeiramente melhor para mim? Ele(ela) tem
a virtude para me ajudar a
chegar ao que é melhor para mim? Estamos profundamente unidos
por um
objetivo comum, servindo um ao outro e lutando juntos por um bem comum
que é maior
do que cada um de nós? Ou estamos na verdade apenas vivendo
lado a lado, compartilhando
recursos e ocasiões agradáveis enquanto cada
um persegue egoisticamente seus próprios projetos
e interesses na vida?
Esse são os tipos de questões que apontam para o aspecto objetivo do
amor.
Agora podemos ver porque Wojtyla diz que
o verdadeiro amor é “um fato interpessoal”, não
simplesmente uma
“situação psicológica”. Um relacionamento forte está baseado na virtude e
na
amizade, não simplesmente em experimentar juntos sentimentos
agradáveis e situações prazerosas.
Como explica Wojtyla, “o amor
enquanto experiência deve estar subordinado ao amor
enquanto virtude –
de tal modo que sem o amor enquanto virtude não pode haver
plenitude na
experiência do amor” (Amor e Responsabilidade).
Amor doação de si
Uma das marcas mais distintivas do aspecto objetivo do amor é o dom de si mesmo.
Wojtyla ensina que o que faz o amor comprometido diferente de todas as
outras formas de amor
(atração, desejo, amizade) é que as duas pessoas
“se doam” uma para a outra. As pessoas não
estão apenas atraídas uma
pela outra, e elas não desejam simplesmente o que é melhor para a outra.
No amor comprometido, cada pessoa se rende completamente à outra
pessoa. “Quando o
amor comprometido entra nessa relação interpessoal
surge algo mais do que uma simples amizade:
surgem duas pessoas que se
entregam uma para a outra” (Amor e Responsabilidade).
De fato a idéia de amor auto-doação
levanta alguns questionamentos importantes: como pode
uma pessoa
realmente se doar a outra? O que isso significa? Afinal de contas o
próprio Wojtyla
ensina que cada pessoa humana é completamente única.
Cada pessoa tem sua própria mentalidade
e sua vontade própria. No final,
ninguém pode pensar por mim. Ninguém pode escolher por mim.
Portanto,
cada pessoa “é seu próprio mestre”, e não está disponível a ser entregue
a outra pessoa.
Então, em que sentido uma pessoa pode “se doar” a(o)
seu(sua) amado(a)?
Wojtyla responde dizendo que é
impossível para uma pessoa se doar a outra no nível natural e físico
mas na ordem do amor uma pessoa pode fazê-lo ao escolher limitar sua
liberdade e unir sua vontade
à da pessoa que ama. Em outras palavras,
por causa do seu amor, uma pessoa pode na verdade
desejar abdicar de seu
próprio livre-arbítrio e ligá-lo ao da pessoa amada. Como Wojtyla diz, o
amor
“faz com que a pessoa queira exatamente isto – render-se ao(a)
outro(a), à pessoa amada”.
A liberdade de amar
Por exemplo, considere o que acontece
quando um homem solteiro se torna casado.
Como solteiro, “Roberto” é
capaz de decidir o que deseja fazer, quando deseja fazer, e como
deseja
fazer. Ele faz sua própria agenda. Ele decide onde vai viver. Ele pode
se demitir de um
emprego e se mudar para outra parte do país em um
instante, se quiser. Ele pode deixar o
apartamento uma bagunça. Ele pode
gastar seu dinheiro do modo como quiser. E ele pode comer
quando
quiser, sair para onde quiser, e ir dormir quando quiser. Ele está
acostumado a tomar
sozinho as decisões de sua vida.
O casamento, entretanto, vai mudar de modo significativo a vida de “Roberto”.
Se ele decide por conta própria se demitir do emprego, comprar um carro
novo, viajar no final
de semana, ou vender a casa, isso provavelmente
não vai se encaixar muito bem com a vida da
sua esposa! Agora que
“Roberto” está casado, todas as decisões que ele estava acostumado a
tomar
por conta própria devem ser tomadas em união com sua esposa, e
procurando o que for melhor
para seu casamento e para sua família.
No amor de doação de si, um homem reconhece de modo profundo que sua vida já
não é mais propriedade sua.
Ele rendeu sua própria vontade à sua amada. Seus próprios planos
sonhos e gostos não estão completamente abandonados, mas agora eles são
colocados em nova perspectiva. Eles estão subordinados ao bem de sua
esposa e dos filhos que possam surgir do casamento. Como “Roberto” vai
gastar seu tempo e seu dinheiro e como ele vai organizar sua vida já não
é matéria de sua própria escolha pessoal. Sua família se torna o ponto
de referência
primário para tudo que ele for fazer.
Essa é a beleza do amor doação de si.
Como solteiro “Roberto” tinha grande autonomia
– ele podia organizar sua
vida como quisesse. Mas, por causa de seu amor, “Roberto” escolheu
livremente abdicar dessa autonomia, limitar sua liberdade,
comprometendo-se com sua esposa
e com o bem dela. O amor é tão poderoso
que o impele a desejar render sua vontade à sua amada
desse modo
profundo.
Realmente muitos casamentos hoje em dia
seriam muito mais sólidos se ao menos compreendêssemos
e nos
lembrássemos do amor de doação a que originalmente nos comprometemos. Ao
invés de
perseguir egoisticamente nossas próprias preferências e
desejos, devemos nos lembrar que quando
fizemos nossos votos escolhemos
livremente render – amorosamente desejamos render – nossas
vontades ao
bem do(a) nosso(a) esposo(a) e dos filhos. Como Wojtyla explica: “A
forma de amor
mais plena consiste precisamente na auto-doação, em fazer
do inalienável e intransferível
‘eu’ uma propriedade de outra pessoa”
(Amor e Responsabilidade).
A lei do dom
Agora chegamos ao grande mistério do
amor doação de si. No coração desse dom de si
está uma convicção
fundamental de que, ao render minha autonomia à pessoa amada, eu ganho
muito mais em troca. Ao unir-me com outra pessoa, minha própria vida não fica diminuída
mas é profundamente enriquecida.
Isso é o que Wojtyla chama de “lei do ekstasis”, ou
lei da auto-doação:
“O amante ‘sai de si mesmo’ para encontrar um existência mais plena
no(a) outro(a)” (Amor e Responsabilidade).
Em uma época de vigoroso individualismo,
entretanto, essa profunda afirmação de Wojtyla pode
ser difícil de
compreender. Por que devo sair de mim mesmo para encontrar a felicidade?
Por que eu deveria me comprometer desse modo radical com outra pessoa?
Por que deveria
abdicar da liberdade de fazer o que quisesse com minha
vida? Essas são as questões do homem moderno.
Entretanto, de uma perspectiva cristã, a
vida não é para “fazer o que eu quiser”.
A vida é para meus
relacionamentos – é para encontrar a plenitude de meu relacionamento com
Deus e com as pessoas que Deus colocou na minha vida. Na verdade, é aí
que encontramos plenitude
na vida: em viver bem nossos relacionamentos.
Mas para viver bem nossos relacionamentos
precisamos muitas vezes fazer
sacrifícios, rendendo nossa vontade própria para servir ao bem dos
outros.
É por isso que descobrimos uma felicidade mais profunda na vida
quando nos doamos desse modo
pois estamos vivendo do modo como Deus nos
criou para viver, do modo como o próprio Deus vive:
em um amor total,
comprometido e de auto-doação. Como diz uma das passagens favoritas de
Wojtyla retirada do Vaticano II: “O homem só se encontra ao fazer de si
mesmo um dom sincero
para os outros” (Gaudium et spes nr. 24).
Essa afirmação do Vaticano II se aplica
especialmente ao matrimônio, onde o amor de auto-doação
entre duas
pessoas humanas se mostra mais profundamente. Ao me comprometer com
outra pessoa
em uma relação de amor verdadeiro eu certamente limito
minha liberdade de fazer “o que quiser”.
Mas ao mesmo tempo eu me abro
para uma liberdade ainda maior: a liberdade de amar. Como
explica
Wojtyla: “O amor consiste em um compromisso que limita a
liberdade da pessoa
– é uma doação de si, e doar-se a si mesmo significa
exatamente isso: limitar a própria
liberdade em prol do(a) outro(a). A
limitação da liberdade da pessoa pode parecer algo
negativo e
desagradável, mas o amor faz dessa limitação uma coisa positiva,
criativa e
cheia de alegria. A liberdade existe para que se possa amar”
(Amor e Responsabilidade).
Portanto, enquanto o individualista
moderno pode ver a auto-doação no matrimônio como algo
negativo e
restritivo, os cristãos veem tais limitações como libertadoras. O que eu
realmente desejo
fazer na vida é amar a Deus, minha esposa e meus
filhos, e meu próximo – pois nesses
relacionamentos encontro minha
felicidade. E se eu existo para amar minha mulher e meus filhos
e para
viver totalmente comprometido a eles, eu devo evitar que meus desejos
egoístas dominem
minha vida e controlem minha casa. Em outras palavras,
eu devo estar livre da tirania do
“faço o que eu quero”. Só então é que
sou livre para amar do modo como Deus me criou.
Só então é que sou livre
para ser feliz. Só então é que sou livre para amar.
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http://catholiceducation.org/articles/marriage/mf0072.html