"A
Sagrada Escritura, confirmada pela experiência dos séculos, ensina à
família humana que o progresso, grande bem para o homem, traz também
consigo uma enorme tentação. De fato, quando a hierarquia de valores é
alterada e o bem e o mal se misturam, os indivíduos e os grupos
consideram somente seus próprios interesses e não o dos outros. Por esse
motivo, o mundo deixa de ser o lugar da verdadeira fraternidade,
enquanto o aumento do poder da humanidade ameaça destruir o próprio
gênero humano. Se alguém pergunta como pode ser vencida essa miserável
situação, os cristãos afirmam que todas as atividades humanas,
quotidianamente postas em perigo pelo orgulho do homem e o amor
desordenado de si mesmo, precisam ser purificadas e levadas à perfeição
por meio da cruz e ressurreição de Cristo. Redimido por Cristo e tornado
nova criatura no Espírito Santo, o homem pode e deve amar as coisas
criadas pelo próprio Deus. Com efeito, recebe-as de Deus; olha-as e
respeita-as como dons vindos das mãos de Deus" (Gaudium et Spes 37).
O acontecimento primordial da fé cristã é o Mistério Pascal de Jesus
Cristo, em sua Morte e Ressurreição. Acreditamos com toda a força de
nossa alma que a vida humana encontra sentido justamente em Cristo. Nele
todas as esperanças podem se realizar e todos os esforços pelo bem e
pela verdade chegam a porto seguro. Quando professamos a fé, temos a
certeza de que Jesus Cristo é caminho, Verdade e Vida para todos.
Cabe-nos respeitar as pessoas que têm outras convicções religiosas e
existenciais, mas não nos é lícito omitir-nos na proclamação da verdade
da fé.
Em torno da Ressurreição de Cristo, toda a prática religiosa cristã se
organizou, no correr dos séculos. O dia dos dias é o domingo, pois Jesus
venceu a morte, o pecado e a dor no primeiro dia da semana. Assim, para
os cristãos esta realidade supera os ciclos naturais, ainda que dias,
noites, meses e anos sejam vividos por nós junto com as outras pessoas.
Vivemos entre dois polos de tensão, "dependurados" na certeza da
Ressurreição e na volta do Senhor, no fim dos tempos, quando Deus for
tudo em todos. Por isso a Igreja clama com confiança: "Anunciamos,
Senhor, a vossa Morte, proclamamos a vossa Ressurreição! Vinde, Senhor
Jesus!"
Do Domingo veio a semana cristã, dele se ampliaram os horizontes
celebrativos, para que o mistério de Cristo se faça sempre presente e
atual. Do dia da Ressurreição veio a Páscoa anual, celebrada com toda
solenidade. Os mistérios da vida de Cristo vieram, pouco a pouco, a ser
comemorados, sempre com a Santa Missa, presença e renovação do
Sacrifício do Calvário, tudo marcado pela abundante proclamação da
Palavra de Deus. As pessoas que escolheram seguir Jesus Cristo e o
fizeram com radicalidade, que nós chamamos de santos e santas, são
recordadas no dia de sua Páscoa pessoal na morte, o que levou a Igreja a
celebrar, também com a Santa Missa, seus exemplos e sua intercessão
orante pelos que caminham rumo à pátria definitiva. Nosso calendário é
chamado "litúrgico" porque se organiza em torno do único mistério, Jesus
Cristo, nosso Salvador, que morreu e ressuscitou para nos salvar. A
cada ano, retornamos apenas às mesmas celebrações, mas nos encontramos
crescidos e mais amadurecidos na fé, para testemunhá-la mais ainda.
Este deve ser o programa de vida do cristão. Entende-se assim porque
nossas famílias incutiram em nós o gosto pelas celebrações da Igreja.
Batismo, Primeira Comunhão, Crisma, Matrimônio marcam este ritmo, a que
se acrescentam as devoções das famílias, ou as festas de padroeiros,
Círios, Coroações, Novenas, Procissões. Parecemos agradavelmente
teimosos, sem permitir que outras realidades nos engulam de vez! Olho
assim para a realidade amazônica, mas quero ver mais longe, por saber
que em todos os quadrantes há cristãos assim dispostos a manter viva,
não só a fé, mas também uma sadia influência na cultura do tempo em que
vivemos.
Entretanto, nosso calendário católico oferece ao mundo uma semana
especial, e estamos às suas portas, chamada santa por causa do Senhor
que se faz presente com intensidade, suscitando a conversão aos valores
do Evangelho. Chegue a todos o convite da Igreja Católica para a grande
missão chamada Semana Santa! Esta semana é grande porque a Palavra de
Deus é oferecida com abundância. A Semana é Santa e é grande por causa
do mistério de Cristo celebrado na Liturgia a partir do Domingo de
Ramos, para chegar ao Tríduo Pascal, de Quinta-feira Santa, ao cair da
tarde, até Domingo de Páscoa, tendo seu ponto mais alto na Vigília
Pascal na Noite Santa. Não dá para sermos espectadores, pois tudo o que
acontece é em vista de nossa vida cristã e de nossa salvação. Quando foi
publicado o cartaz da Campanha da Fraternidade de 2015, a figura do
Papa Francisco realizando o lava-pés na Semana Santa deixou uma forte
impressão em todo o país. O rito não tem nada de teatral, nem mesmo de
gestos do passado. É extremamente atual e provocante! E a Sexta-feira
Santa traz consigo o chamado ao seguimento de Jesus, para conduzir-nos
depois à Páscoa, celebrada em seu coração, da Vigília Pascal para o
Domingo.
E que dizer dos grandes sermões pronunciados na Semana Santa? Em nossa
Belém, o Sermão das Três Horas da Agonia, com as Sete Palavras de Jesus
na Cruz, na Sexta-feira Santa, abre ouvidos e corações a cada ano. Pelas
ruas, a Via-Sacra, o Sermão do Encontro, o descendimento da Cruz, tudo
se torna anúncio, resposta de fé e vida nova para todos. Além das
celebrações litúrgicas e dos grandes sermões, os acontecimentos pascais
são também encenados com capricho por uma infinidade de grupos. A Paixão
de Cristo é o episódio da história da humanidade mais representada em
peças teatrais. Quanta gente já encontrou emoção e conversão assistindo
nas praças públicas estes espetáculos.
Permaneça em nós, na grande Semana, o apelo de Santo Atanásio, que vale
como convite: "É muito belo passar de uma para outra festa, de uma
oração para outra, de uma solenidade para outra solenidade. Aproxima-se o
tempo que nos traz um novo início e o anúncio da santa Páscoa, na qual o
Senhor foi imolado. O Deus que desde o princípio instituiu esta festa
para nós, concede-nos a graça de celebrá-la cada ano. Ele que, para
nossa salvação, entregou à morte seu próprio Filho, pelo mesmo motivo
nos proporciona esta santa solenidade que não tem igual no decurso do
ano. Esta festa nos sustenta no meio das aflições. Por ela Deus nos
concede a alegria da salvação e nos faz amigos uns dos outros. É este um
milagre de sua bondade: congrega nesta festa os que estão longe e reúne
na unidade da fé os que, porventura, se encontram fisicamente
afastados" (Das Cartas pascais de Santo Atanásio, bispo).
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL
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